quinta-feira, 13 de junho de 2019

Vai

Vai-se o sangue, fica a cicatriz:
Vai-se o medo, fica o herói;
Vai-se a vida, fica a memória 
Vai-se o tempo, fica a história.

V. M. Brito

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Quarta-Feira de Cinzas

11.5.10

é
às coisas mal-amadas
sofridas
acabadas
que me apego.

sonetos sem métrica
cartas tétricas
dias em recesso

causas sem justiça
ordem e progresso
cheios de preguiça

V.M. Brito

Resumo

15.5.10

O que me irrita é o amor infinito pelas coisas finitas
A paixão erudita pelas coisas simplistas
O papel reciclado de palavras plenas
A mentira contida em quaisquer poemas

O haver no meu canto e em tudo que trace
O sofrer do meu pranto e em todo que nasce
Alvorada nascendo enquanto dormiam
E o sol já se pondo enquanto esqueciam

Na noite contida o silêncio que traz
Enquanto um espera, o outro que faz
A angústia daqueles já sem sofrimento
O desejo do antigo e manchado convento

A esperança do enfim já chegar a hora
O sabor do infinito que sempre demora
O aperto da mão e da palavra contentes
Esforço contido em toda as gentes

O desejo de um amor bem mais resistente
Que viva o apesar, o amanhã e o presente
A esperança de tudo ter ficado para trás
O desejo do sempre, do tudo e do mais.

V. M. Brito

Você me perguntou as horas. E eu tinha uma coleção de coisas bonitas para te dizer. 

Respondi quinze pras três.

quantificadores.

Embora eu não traga assim, sem medo

O equilíbrio exato entre o custo e o benefício
Garanto-lhe, com um engano quase ledo,
Um tratado certeiro sobre o início

De coisas simples e belas logo cedo
De sorrisos plenos em uma vida de suplício
Da linha tênue entre o doce e o azedo
E um coração atrelado ao precipício.

Talvez não seja mais do que um segredo
Que é parvoíce, tolice ou coisa minha
Essa história de ficar apaixonada

Traço seu nome, e com ele se encaminha
Um punhado de sorrisos escondidos
Numa ode à paixão fundamentada.


V. M. Brito

a heresia de Pelágio

Nunca fiz voto de castidade

Nem prometi-lhe uma confissão
Se eu aprendi com a humanidade
Não foi tão mais que uma oração

Posso dizer, já com saudade
Que eu canto um canto de devoção
Pois se lhe ardia em saciedade
O vermelho sangue de um coração

Admito que pequei, e agora ao seu lado
Admito que se assim não tivesse pecado
O arrependimento viria a mim de antemão

A noite cai com o seu corpo apoiado
E se aquele beijo não fosse roubado
Teria-se pecado, sim, por omissão.


V.M. Brito
Eu, que mergulhada no torpor
Que a vida inteira não soube curar
Quero-te para amar e para o amor
Que em seu corpo pude encontrar

Se nesta terra resolvi findar
A minha mágoa desaparecida
Secaram as lágrimas que ousei chorar
E os desencantos de toda a vida

Que venha a luz clarear meu dia
E a noite inteira
Lâmpadas acesas

Que venham você e a poesia
Na corredeira
A espantar tristezas

V.M. Brito

pontos conspícuos.

Desacreditei todos os amores

Desenvolvi um desapego magnífico
Sem espaço para luz ou para flores
Transatlântico atravessando o pacífico

A mensagem era clara no convés
Um coração já sem lugar para aportar
Meu interesse era água sob os pés
Sentimentos a naufragar e viajar

Até descobrir que nunca parti
Que ficou parte de mim naquele porto
O melhor de mim, deixei ali:
Um coração confuso e absorto

Agora sei que o que guardei para ti
Era exatamente o que merecia:
Trouxe comigo o melhor de mim
O restante desmanchou com maresia.



V. M. Brito

lar.

Tornei-me revel em causas perdidas

Por tantos dias disfarcei prantos
Nas noites eternas, tantos sorrisos
E tanto canto por todos os cantos

Assustei tristezas agora antigas
Por andar assim, tão radiante
Fiz da paixão a melhor amiga
E de você, nunca mais distante

Espero agora um mundo inteiro
Para me mostrar o que é a vida
Que encantador é você primeiro
Em cada porta de cada saída

No seu silêncio eu adormeci
No fim da tarde de todos os dias
De tantos versos que não escrevi
Acabei por me tornar poesia.

V.M. Brito

O Livro

para Murilo Mendes

Encontrá-lo na estante é como visitar um velho amigo. É como dar uma volta pelo presente, passado e futuro, lugares em que a humanidade habita ou deveria habitar, lugares eternos e universais. Acredito, Murilo, que as almas se encontram, e acredito também que as nossas almas tiveram longas conversas num lugar cujo nome na Terra é desconhecido, mas em que a poesia é a supernova prestes a acontecer. 

Nunca entendi porque prefiro verso à prosa, porque prefiro a literatura à vida. Você provavelmente não entendeu. No entanto, as paisagens, as crianças, a vida e a morte, o amor e o pesar nos foram apresentados e precisamos de tudo isso para escrever e descrever. Os poetas abrem seus arquivos  o mundo  e vão retirando dele alegria e sofrimento para que todas as coisas passando pelo nosso coração sejam reajustadas na unidade. Unidade essa que está no porvir, no incompleto e no inacabado, no infinito que tem data de começo e de término, mas que é constante e não acaba. Por tudo isso nossas almas conversam. Por tudo isso sorrio quando o vejo na estante, porque conversamos com toda a humanidade, porque os seus poemas disseram e sonharam antes os poemas que tenho como missão em vida completar. Porque soubemos ser antes poesia do que carne, poesia do que vida, poesia do que eternidade, poesia.

V. M. Brito

Água e Rocha Firme


em Homenagem à turma que se formou no ano do centenário da Universidade Federal do Paraná 

Tudo o que é areia já foi rocha
E tudo o que era firme desmanchou-se pelo ar.
A água vem e forma rios e mares
E a água pode tudo contornar.

O fogo e o vento levam e destroem
Tornam cinza todo o firme que existir
A água se evapora e se esvai,
Depois chove e cria tudo o que há por vir.

Por isso lhes peço
Não sejam somente
A rocha que pesa

Mas sejam, sim, água
Que tudo contorna
E tudo atravessa.

V. M. Brito